Enquanto o agronegócio expande fronteiras no Maranhão, o bioma mais antigo do Brasil encolhe diante da lentidão do Judiciário, da omissão estatal e do silêncio das instituições. Em Balsas, o desmatamento corre mais rápido que a Justiça — e os grãos continuam vencendo a floresta.
Por Factual — Terça-feira, 4 de novembro de 2025
Com informações da Agência Brasil e da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
O Cerrado que sangra em silêncio
No sul do Maranhão, a paisagem muda de cor e de dono. Onde antes o verde se estendia até o horizonte, hoje o amarelo das plantações domina o olhar.
Em Balsas, o coração do agronegócio nordestino, o som dos tratores ecoa mais alto que o canto das araras. E, enquanto o país comemora recordes de exportação, o Cerrado — berço das águas brasileiras — agoniza.
A reportagem da Agência Brasil encontrou agricultores familiares encurralados, terras sob litígio sendo desmatadas com autorização oficial e comunidades tradicionais sem acesso à Justiça.
Por trás das cifras bilionárias da soja e do milho, o que se vê é uma disputa desigual entre quem planta grãos e quem defende a floresta.
Lentidão da Justiça, pressa do desmate

Os conflitos agrários no Cerrado têm um inimigo invisível, mas poderoso: o tempo.
Enquanto a Vara Agrária de Imperatriz, criada no fim de 2024, tenta organizar mais de 70 municípios sob sua jurisdição, os tratores não esperam decisões judiciais.
O juiz Delvan Tavares, titular da vara, explica que muitos litígios começam quando um produtor compra uma área e inicia o desmatamento em território tradicional.
“Quando o caso chega à Justiça, a floresta já está no chão”, admite.
Para as comunidades, essa lentidão é quase uma sentença.
Sem recursos para contratar advogados, agricultores familiares recorrem à Defensoria Pública ou a advogados populares — muitas vezes sem conseguir sequer protocolar suas queixas.
Enquanto isso, os mapas mudam, e o Cerrado desaparece na ponta da caneta do cartório.
O poder que se planta
Em Balsas, os lucros do agro circulam em ritmo acelerado. Caminhões carregados de grãos atravessam estradas recém-abertas; silos e maquinários modernos marcam o horizonte.
Mas nas comunidades de Gerais de Balsas, a realidade é outra: ameaças, pulverização aérea de agrotóxicos e assédio financeiro.
“A violência no campo não é combatida. O Estado é omisso. E, muitas vezes, a resistência custa vidas”, denuncia Francisca Vieira Paz, presidente da Associação Camponesa do Maranhão (ACA).
Ela percorre estradas de terra levando apoio jurídico e emocional a famílias que lutam para permanecer onde nasceram.
“Hoje, os movimentos sociais e pastorais são a última barreira de proteção desses povos”, resume.
Desmatamento autorizado, vidas suspensas
O paradoxo é cruel: mesmo áreas sob disputa judicial recebem autorizações oficiais de desmatamento.
O Estado, que deveria mediar e proteger, torna-se avalista de um processo que empurra povos tradicionais para a margem da legalidade.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Maranhão é, ao lado do Pará, o estado com mais conflitos agrários do Brasil.
Enquanto isso, o Cerrado — que regula o regime de chuvas e alimenta oito das doze maiores bacias hidrográficas do país — perde milhares de hectares por ano.
Cada árvore derrubada representa mais que um dano ambiental: é o apagamento de um modo de vida, de uma cultura, de uma memória coletiva.
O preço da abundância

O avanço do agronegócio é frequentemente descrito como “progresso”. Mas a conta, ambiental e social, chega alta.
Com o desmatamento, as nascentes secam, os rios perdem volume e o clima se torna imprevisível.
A perda do Cerrado é, na prática, uma ameaça direta à segurança hídrica e alimentar do país.
“Quando o campo seca, o país inteiro paga”, resume Francisca Vieira.
O paradoxo é gritante: o mesmo solo que produz alimento para exportação não garante a subsistência das famílias que o cultivam há gerações.
Reflexo de um país em disputa
A expansão das fronteiras agrícolas no Cerrado revela mais que uma disputa territorial: é um espelho do modelo de desenvolvimento que o Brasil escolheu.
Um modelo em que os grãos crescem sobre as ruínas das veredas, e onde o verde só tem valor se puder ser colhido.
O Maranhão é hoje símbolo desse dilema.
E Balsas, com seus silos reluzentes e suas comunidades em resistência, sintetiza a contradição nacional: um país que celebra o avanço dos grãos enquanto enterra sua floresta.http://jornalfactual.com.br






