Entre a guerra das facções e a omissão dos governos, o Brasil se aproxima perigosamente do modelo que jurava nunca copiar.
Por Factual
— “Eu decidi enfrentar o medo e não negociar com o crime”, diz Nayib Bukele, com a voz seca e a certeza de quem acredita ter vencido o inferno.
Do outro lado, o presidente brasileiro ouve em silêncio. Respira fundo.
— “Mas a que custo, Bukele? O que você chama de segurança, eu vejo como cemitérios lotados e prisões superlotadas.”
O diálogo é hipotético, mas o cenário é real — e o eco dessas palavras parece atravessar a América Latina inteira.

Enquanto El Salvador se tornou o exemplo mais duro (e controverso) de combate às facções, o Brasil segue prisioneiro de uma escolha silenciosa: a de não escolher. O de assistir, de braços cruzados, à ascensão de grupos armados que hoje controlam territórios, impõem toques de recolher e humilham o próprio Estado dentro de suas fronteiras.
O silêncio do poder nas vielas do Rio

As imagens recentes do Complexo do Alemão e da Penha — helicópteros, blindados e uma chuva de tiros que ecoa até a zona norte — mostraram mais uma vez que o Rio vive em guerra.
Mas o que poucos dizem é que essa operação aconteceu em um momento crucial, com as eleições batendo à porta.

Os números, frios e incômodos, contam parte da história: dezenas de mortos, inclusive inocentes.
Mas há um dado mais perturbador — as armas apreendidas são de calibre militar, de uso restrito, algumas com origem em rotas internacionais do tráfico de armas que passam por fronteiras abertas, portos negligenciados e até desvios de arsenais oficiais.
De onde vêm essas armas?
Quem abastece as facções que dominam favelas como pequenos Estados?
E por que, diante disso, o governo parece preferir o silêncio à ação?
É como se houvesse um pacto invisível entre omissão e conveniência.
Cada tiroteio vira manchete, cada enterro vira estatística — e o Estado se recolhe, fingindo que o problema é apenas policial.
Mas não é. É político, econômico e geopolítico.
A guerra exportada: Trump, Bukele e o novo eixo do narcotráfico

Enquanto o Brasil tenta apagar incêndios internos, Donald Trump volta à cena nos Estados Unidos prometendo “acabar com o narcotráfico na América Latina”.
Mas, por trás do discurso, há um movimento maior — uma reconfiguração da guerra hemisférica.
El Salvador, México, Colômbia e Brasil se tornaram peças de um mesmo tabuleiro.
Com o “modelo Bukele”, a América Central virou vitrine de um autoritarismo funcional: segurança total, direitos parciais.
E o Brasil observa, dividido entre a tentação da força e o medo de perder a democracia.
É nesse ponto que o diálogo entre os dois líderes — real ou imaginado — ganha novo sentido.
— “Vocês falam em direitos humanos”, provoca Bukele, “mas quem defende o direito de um pai de família viver sem ser extorquido por uma facção?”
— “E quem defende o direito de um jovem não ser executado por usar um boné errado?”, responde o presidente brasileiro.
O embate é mais profundo do que parece.
De um lado, o pragmatismo brutal que promete resultados a qualquer custo.
Do outro, a paralisia moral de quem teme agir e, com isso, acaba permitindo que o caos governe.
Um palco armado à vista de todos

O que está acontecendo no Rio, em São Paulo, em Fortaleza, não é uma série de incidentes isolados.
É um processo de militarização do crime, sustentado por fluxos de dinheiro, armas e poder político.
As facções não são apenas bandos — são organizações econômicas com base territorial, que se infiltram nas instituições, controlam comunidades e até influenciam o voto.
A guerra é real, mas o combate é simbólico.
Enquanto o Estado finge lutar, as armas continuam chegando — pelo mar, pelas fronteiras, pelos mesmos canais onde passam drogas, combustível e corrupção.
Entre o medo e a conveniência

No fim, o silêncio dos governos é mais ensurdecedor do que os tiros nas favelas.
E o Brasil parece viver um paradoxo cruel: tem medo do autoritarismo, mas convive com a tirania armada das facções.
Talvez Bukele e Lula nunca se encontrem de fato num debate.
Mas o diálogo entre eles já acontece — dentro de cada sociedade que se pergunta até onde vai a paciência com o medo e a omissão com o crime.
E a pergunta que resta — para o Brasil, e para toda a América Latina — é direta e desconfortável:
Quem realmente governa as armas? O Estado, ou aqueles que ele finge não ver?
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A que custo, as facções estão acabando com o Brasil, ou o Brasil acaba com elas ou elas acabam com o Brasil
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