
Transformar as florestas tropicais em ativos econômicos e climáticos: essa é a proposta ousada do estudo divulgado nesta segunda-feira (13) pelo Climate Policy Initiative (CPI), vinculado à PUC-Rio, que vem reacendendo o debate sobre o valor real das florestas na economia global.
Batizado de Mecanismo de Reversão de Desmatamento (Reversing Deforestation Mechanism – RDM), o estudo projeta que países tropicais poderiam gerar até US$ 100 bilhões em receitas anuais com programas de restauração florestal. A ideia é colocar preço na regeneração da natureza — algo que, até pouco tempo atrás, era visto apenas como custo ambiental.
O levantamento foi elaborado a pedido do presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, dentro do plano “Roteiro de Baku a Belém para 1,3T”, uma iniciativa que busca reunir US$ 1,3 trilhão em financiamentos para impulsionar a transição energética global.
“As florestas não são apenas vulneráveis às mudanças do clima, elas são ativos indispensáveis para a luta climática”, afirma Juliano Assunção, diretor executivo do CPI/PUC-Rio.
“Ampliar a remoção de carbono da atmosfera é cada vez mais prioridade, e as florestas tropicais oferecem uma das ferramentas mais poderosas disponíveis.”
Como o mecanismo funciona
O RDM propõe um sistema de pagamentos por resultados, em que países tropicais receberiam recursos de fundos climáticos, governos e empresas privadas conforme comprovem o restauro de áreas degradadas e a remoção efetiva de carbono da atmosfera.
De acordo com o estudo, o potencial é enorme:
- Receita média estimada: até US$ 5 mil por hectare restaurado;
- Remoção anual de carbono: até 2 gigatoneladas de CO₂ (equivalente a cerca de 5% das emissões globais anuais);
- Receitas potenciais globais: US$ 100 bilhões por ano.
A proposta se baseia na valorização das florestas tropicais como ativos econômicos, colocando preço no carbono capturado e transformando a restauração em uma oportunidade de investimento — não apenas uma obrigação ambiental.
Um novo paradigma: floresta como economia
Essa abordagem redefine o papel das florestas no século XXI.
Em vez de tratá-las apenas como áreas de conservação, o RDM as insere no coração da economia de baixo carbono — um passo essencial se o mundo quiser cumprir o Acordo de Paris.
O desafio é claro: como transformar potencial em realidade?
Embora o estudo aponte um caminho promissor, há uma longa distância entre o discurso e a prática.
Obstáculos no caminho
Especialistas alertam que o sucesso do RDM depende de condições políticas, técnicas e econômicas complexas.
Entre os principais desafios estão:
- Governança e transparência: sem fiscalização e controle adequados, os recursos podem não chegar a quem realmente restaura a floresta.
- Preço do carbono: o cálculo de US$ 50 por tonelada de CO₂ é otimista; se o mercado pagar menos, o retorno cai drasticamente.
- Conflitos de uso da terra: a restauração compete com a agropecuária e o avanço urbano em vários países tropicais.
- Tempo de maturação: florestas levam décadas para se regenerar e gerar créditos de carbono consistentes.
- Inclusão social: povos indígenas e comunidades locais precisam ser parte do processo — e não apenas figurantes em relatórios.
O papel do Brasil
O Brasil, dono da maior floresta tropical do planeta, é peça central dessa equação.
Segundo o CPI/PUC-Rio, apenas a Amazônia brasileira poderia responder por US$ 30 bilhões anuais em receitas se o RDM fosse implementado plenamente.
Além disso, o governo brasileiro vem articulando o Fundo “Florestas Tropicais para Sempre”, que deve ser lançado oficialmente na COP30, em Belém, com meta inicial de US$ 125 bilhões para financiar ações de conservação e restauração em países tropicais.
Entre a promessa e a prática
O estudo reacende uma esperança legítima: a de que preservar possa ser mais rentável do que destruir.
Mas o histórico global ainda é de lentidão — e muitas promessas verdes acabam estagnadas por falta de estrutura ou vontade política.
O potencial de US$ 100 bilhões por ano é real em números, mas condicional na prática.
Depende de mercados de carbono estáveis, de cooperação internacional e de políticas domésticas consistentes.
O mundo está finalmente reconhecendo o valor econômico das florestas, mas o tempo — e a temperatura — cobram urgência.
Em resumo:
O RDM é uma ideia poderosa e promissora, mas ainda está no papel.
Se sair dele, pode transformar a economia florestal mundial — e fazer das florestas tropicais o motor verde de uma nova era econômica.
Se não, será mais um relatório ambicioso perdido nas gavetas da diplomacia climática.http://jornalfactual.com.br