
A assinatura da primeira fase do acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas, mediado pelos Estados Unidos, reacendeu esperanças — e também desconfianças — em uma das regiões mais voláteis do planeta. O anúncio, feito nesta quarta-feira (8) por autoridades norte-americanas, promete libertação de reféns, retirada parcial de tropas israelenses e início de um processo de reconstrução em Gaza.
Mas, por trás dos gestos diplomáticos e discursos de paz, o que realmente muda? E até que ponto essa trégua pode resistir ao peso da história e aos interesses em jogo?
O que está em jogo na “primeira fase”
De acordo com o plano apresentado, a etapa inicial prevê:
- Libertação de reféns mantidos pelo Hamas;
- Recuo gradual das tropas israelenses em pontos estratégicos da Faixa de Gaza;
- Suspensão dos bombardeios e criação de corredores humanitários;
- Início das negociações para as próximas fases, que abordarão temas espinhosos como desarmamento do Hamas, reconstrução de Gaza e definição de um novo modelo político-administrativo para o território.
Apesar de parecer um avanço, o texto do acordo ainda não esclarece pontos cruciais — como quem supervisionará o cumprimento das cláusulas ou quais serão as penalidades em caso de violação. É um pacto frágil, sustentado mais por esperanças do que por garantias concretas.
Um fio tênue entre paz e desconfiança
A desconfiança é o fantasma permanente desse processo.
Israel exige garantias de segurança e o fim total das ameaças armadas; o Hamas, por sua vez, quer que Israel encerre completamente as ofensivas e o bloqueio econômico.
Qualquer passo em falso — um ataque isolado, um atraso na libertação de prisioneiros — pode reacender o conflito.
Há também as pressões internas:
- Em Israel, setores mais conservadores veem o acordo como uma capitulação;
- Em Gaza, parte da população teme que a trégua sirva apenas para reorganizar o controle militar israelense por outros meios.
Os bastidores geopolíticos
Nos bastidores, o acordo revela a nova engenharia diplomática dos Estados Unidos na região.
Após anos de desgaste, Washington tenta reposicionar-se como mediador legítimo, oferecendo incentivos econômicos e promessas de reconstrução.
Países como Egito, Catar e Turquia desempenham papéis de bastidores, servindo como garantidores políticos e financeiros, enquanto Irã e Arábia Saudita observam atentos, medindo quanto a paz pode afetar seus próprios interesses estratégicos.
Mas nenhum desses atores é neutro — e todos têm algo a perder (ou a ganhar) se o equilíbrio pender para um dos lados.
Reconstruir Gaza: o desafio além das ruínas

Mesmo que o cessar-fogo se mantenha, a reconstrução de Gaza é uma tarefa colossal.
Hospitais destruídos, redes elétricas colapsadas, falta de água potável, moradias em ruínas.
Segundo estimativas de organismos internacionais, o custo pode ultrapassar dezenas de bilhões de dólares — e levar anos.
Além dos recursos, é preciso garantir segurança e legitimidade: quem vai administrar a reconstrução? Um governo local? A Autoridade Palestina? Uma força internacional temporária?
Enquanto essas perguntas não forem respondidas, o futuro de Gaza continuará suspenso entre promessas e escombros.
Três cenários possíveis
- Otimista: o acordo é cumprido, o cessar-fogo se mantém e um novo modelo de governança surge — talvez um caminho gradual para um Estado palestino reconhecido.
- Intermediário: o acordo avança parcialmente, com violações pontuais e renegociações constantes; a paz se mantém, mas de forma instável.
- Pessimista: a trégua desmorona; ataques retornam, o acordo colapsa e a crise humanitária se agrava — com impacto direto na política interna de Israel e na opinião pública árabe.
Reflexão final: paz como processo, não como evento
Mais do que um papel assinado, o acordo entre Hamas e Israel é um teste de maturidade política para ambos — e para o mundo.
Nenhum documento pode apagar décadas de trauma, ocupação e medo.
Mas cada cessar-fogo bem-sucedido é, em si, um ato de resistência à lógica da destruição.
O desafio, agora, é transformar o “intervalo” da guerra em um tempo de reconstrução — não apenas de prédios e ruas, mas de confiança e humanidade.
Se a diplomacia resistir ao ruído das armas, talvez, desta vez, o Oriente Médio consiga respirar — ainda que por um breve instante — o ar rarefeito da paz.
Fontes internacionais: Reuters, AP News, Axios, Foreign Policy, The Guardian, Al Jazeera.