Desde que a lei que proíbe o uso de celulares durante o período escolar entrou em vigor no Ceará, um fenômeno curioso ganhou força nos intervalos das escolas estaduais: os estudantes passaram a dançar forró. O que à primeira vista parece apenas uma solução divertida esconde, na verdade, uma discussão mais profunda sobre educação, pertencimento e a busca desesperada por alternativas quando o digital deixa de ser a principal muleta do cotidiano.
A iniciativa surgiu de forma espontânea — um professor levou uma caixa de som, alguns alunos puxaram os primeiros passos, e rapidamente a ideia se espalhou. O objetivo oficial é simples: reduzir distrações, estimular a concentração e promover interação real, sem a mediação das telas. Mas, claro, isso não responde à questão central que ecoa pelos corredores da educação brasileira:
por que, diante da chance de reinventar o intervalo, vamos sempre para soluções inusitadas — e quase nunca para as opções mais estruturadas e intelectualmente ricas?
O forró como resposta instintiva — e não planejada
O que aconteceu nas escolas cearenses revela algo além da dança. Mostra uma carência histórica de projetos de convivência estudantil. Quando o celular — hoje o principal companheiro dos jovens — some da equação, surge um vácuo. E, sem ferramentas prontas para preenchê-lo, as escolas recorrem ao que está ao alcance: a cultura local.
O forró, nesse contexto, não é aleatório. É um “idioma afetivo”, algo que une, dispensa recursos e conversa diretamente com a identidade regional. É rápido, acessível, democrático. Mas, ao mesmo tempo, expõe a ausência de programas mais profundos de estímulo à criatividade, à sociabilidade e ao desenvolvimento cognitivo dos estudantes.
A pergunta incômoda: por que não investir em esportes, xadrez ou dama?
E aqui surge a provocação que muitos educadores já fizeram — e que ecoa com força:
por que não investir em esportes? Por que não incentivar jogos que também exercitam a mente, como xadrez ou dama?
A verdade é que opções não faltam.
- Esportes coletivos constroem disciplina, cooperação, foco e autocontrole.
- Modalidades individuais fortalecem resiliência, coragem e autoconhecimento.
- Xadrez, dama e jogos estratégicos desenvolvem memória, lógica, leitura de padrões, raciocínio rápido e tomada de decisões.
Todas essas práticas têm custo baixo, impacto alto e resultados comprovados para a vida acadêmica. Seriam alternativas naturais, coerentes e até mais alinhadas com a função educacional da escola.
Então por que elas não entram em cena?
Porque exigem estrutura, planejamento e acompanhamento. Precisam de professores capacitados, cronograma, materiais básicos, espaço físico organizado, e principalmente uma decisão pedagógica clara. Enquanto isso, o improviso cultural — como colocar música no pátio — é imediato, barato e não depende de nenhuma engrenagem institucional para acontecer.
É o velho contraste brasileiro: temos opções brilhantes e inteligentes, mas o improviso sempre chega primeiro.
O jeitinho criativo que salva — mas não resolve
O forró no intervalo tem méritos inegáveis.
Ele reduz conflitos, quebra barreiras sociais, fortalece identidade e combate o isolamento digital. É bonito, espontâneo, inclusivo, e tem alma. Mas também é paliativo, não solução definitiva.
Revela escolas que estão tentando — e muito — mas que ainda carecem de políticas estruturadas para ocupar o tempo livre dos alunos com atividades que ampliem repertório, despertem talentos e estimulem o pensamento crítico.
As oportunidades perdidas quando o celular sai de cena
A proibição dos celulares não deveria ser apenas uma retirada de algo.
Ela deveria ser uma janela de possibilidades.
E, com um mínimo de incentivo, seria possível transformar os intervalos em laboratórios de interesse:
- clubes de criação e tecnologia
- rodas de leitura e audiovisual
- oficinas de música e improvisação
- jogos de tabuleiro e desafios semanais
- mini-olimpíadas, torneios internos, esportes adaptados
- microprojetos de rádio-escola, jornal, podcast
- espaços maker improvisados com materiais simples
A criatividade dos jovens existe em abundância.
O que falta é ambiente.
Direção.
Estímulo.
Conclusão: entre o forró e o que ainda não existe
Dançar forró no intervalo é uma saída bonita e simbólica — e que merece ser celebrada. Mas ela também ilumina o que falta: estrutura, planejamento e estímulos que vão além do improviso cultural.
Talvez o grande desafio não seja escolher entre forró, esportes ou xadrez.
É garantir que as escolas brasileiras tenham opções reais.
Que não dependam só da boa vontade de quem leva uma caixa de som.
Porque quando o celular sai de cena, não deveria surgir só a dança.
Deveria surgir o mundo.
E o Brasil tem material humano de sobra para isso — só falta decidir que esse é, finalmente, o caminho.







