O “muro de drones” e a nova fronteira da guerra na Europa

A Europa está prestes a dar um passo histórico na forma como se prepara para conflitos. Após uma sequência de incursões de drones e caças russos, a União Europeia debate a criação de um “muro de drones” — não um muro físico, mas um escudo digital e eletrônico destinado a proteger o leste do continente. A proposta, que há poucos anos soaria exagerada, hoje é vista como parte inevitável de uma nova corrida armamentista tecnológica.

A expressão “muro” carrega um simbolismo potente. Assim como o Muro de Berlim dividiu ideologias no século XX, este novo muro — invisível e silencioso — representa a fronteira da guerra do século XXI: um conflito travado não em trincheiras, mas em circuitos, algoritmos e sinais de rádio.

O estopim para a proposta veio após um episódio que expôs a vulnerabilidade europeia: 21 drones russos cruzaram o espaço aéreo até a Polônia, obrigando a OTAN a responder com mísseis de altíssimo custo — cerca de US$ 2,8 milhões por disparo contra equipamentos que custavam meros US$ 10 mil. A matemática é humilhante: a maior aliança militar do mundo está gastando fortunas para abater alvos de baixo custo produzidos em série.

Na Dinamarca, a cena se repetiu. Drones sobrevoaram aeroportos e paralisaram o espaço aéreo por horas, um lembrete de que a guerra híbrida de Moscou não precisa de tanques ou tropas para semear instabilidade — basta um punhado de drones baratos e um operador a quilômetros de distância.

A premiê dinamarquesa, Mette Frederiksen, foi direta ao descrever o cenário atual como “a situação mais perigosa desde a Segunda Guerra Mundial”, convocando os países europeus a uma postura mais coesa diante de Moscou.

A OTAN compartilha da mesma visão: o muro de drones seria não apenas um projeto defensivo, mas uma mensagem estratégica — um aviso a Vladimir Putin de que as brechas tecnológicas do continente estão se fechando. Ainda assim, nem todos os membros da UE estão dispostos a embarcar nesse novo paradigma com a mesma velocidade. A Alemanha pede prudência e lembra que, mesmo aprovado hoje, o projeto levaria anos para sair do papel, um prazo que pode ser longo demais diante do ritmo acelerado da guerra tecnológica.

Enquanto as negociações patinam, soluções improvisadas tentam tapar o buraco: caças franceses e britânicos reforçam os céus poloneses, e especialistas ucranianos — veteranos em travar batalhas aéreas contra enxames de drones — compartilham experiência e inteligência com os aliados.

O debate em torno do “muro de drones” revela algo maior do que uma simples preocupação com segurança aérea: ele mostra que a Europa começa, enfim, a reconhecer o caráter sistêmico da ameaça russa. Moscou não busca apenas vitórias militares pontuais, mas testar os limites estratégicos do Ocidente, explorar vulnerabilidades e corroer a coesão política europeia por meio de pressões constantes e baratas.

A pergunta que paira sobre Bruxelas não é mais “se” o muro será construído — mas “quando” e “a que custo”. E, talvez mais importante: se ele será suficiente. Porque a próxima ofensiva pode não vir de um drone barato no céu, mas de um ataque coordenado no ciberespaço, nos satélites, ou nos cabos de dados que conectam o continente ao resto do mundo.

A guerra mudou de forma — e a Europa, queira ou não, está sendo forçada a mudar com ela.http://jornalfactual.com.br

WhatsApp Facebook Twitter Email Baixar Imagem
  • Related Posts

    “1,5°C já ficou para trás — e o planeta começa a cobrar a conta”

    “O mundo ultrapassou o limite de 1,5°C. Agora, o desafio é impedir que a febre da Terra vire sentença.” “Uma coisa já está clara: não conseguiremos conter o aquecimento global…

    Brasil e EUA iniciam negociações para encerrar o “tarifaço” americano

    Reunião em Washington marca o recomeço do diálogo comercial entre as duas maiores economias do continente Os governos do Brasil e dos Estados Unidos abriram nesta semana um canal formal…

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    You Missed

    Entre o Centro da Terra e o Sol Nascente: o futuro da energia e da curiosidade humana

    Entre o Centro da Terra e o Sol Nascente: o futuro da energia e da curiosidade humana

    “1,5°C já ficou para trás — e o planeta começa a cobrar a conta”

    “1,5°C já ficou para trás — e o planeta começa a cobrar a conta”

    Projeto Ligados entrega mais de 200 geladeiras para tocantinenses que participaram dos sorteios

    Projeto Ligados entrega mais de 200 geladeiras para tocantinenses que participaram dos sorteios

    “Defensorias do Araguaia” e “Defensorias nos Babaçuais” receberão prêmio sobre práticas antirracistas

    “Defensorias do Araguaia” e “Defensorias nos Babaçuais” receberão prêmio sobre práticas antirracistas

    Ministério da Agricultura forma 850 pessoas para fiscalização com drones

    Ministério da Agricultura forma 850 pessoas para fiscalização com drones

    Reforma Casa Brasil vai liberar R$ 40 bilhões para reformas e ampliações de moradias

    Reforma Casa Brasil vai liberar R$ 40 bilhões para reformas e ampliações de moradias