A Arábia Saudita quer erguer um estádio suspenso a 350 metros acima do chão, no coração da cidade futurista NEOM, como parte da corrida para sediar a Copa do Mundo de 2034.
Um colosso de vidro, aço e promessas, capaz de abrigar 46 mil espectadores, alimentado por energia renovável, movido por transporte elétrico e projetado para brilhar como o símbolo da nova era da humanidade.
Mas, olhando mais fundo, a pergunta se impõe:
de que humanidade estamos falando?
Um Templo de Vidro Erguido Sobre a Areia da Desigualdade

Enquanto o mundo tenta apagar incêndios — na Amazônia, nas guerras, nas favelas e nos corações —, ergue-se no deserto uma obra que parece rir da palavra prioridade.
Chamam de “inovação”, mas talvez fosse mais honesto chamá-la de escultura da indiferença.

São bilhões de dólares para construir um estádio no céu, enquanto milhões de pessoas ainda dormem no chão.
Milhares de famílias desalojadas, sem saneamento, sem abrigo, sem voz — e ainda assim, o planeta aplaude, fascinado pela arquitetura do impossível.
Como se o brilho do metal e o reflexo dos painéis solares fossem suficientes para ofuscar a dor que habita abaixo.
O Mito do Progresso e o Esconderijo da Vergonha

A NEOM, com sua promessa de “cidade linear 100% sustentável”, é apresentada como a vitória da inteligência humana.
Mas talvez seja, na verdade, o retrato da sua derrota.
Porque o verdadeiro progresso não se mede em metros de altura, mas em graus de empatia.
E de nada serve um estádio flutuante se continuamos com corações pesados, incapazes de ver o que acontece a apenas alguns quilômetros dali — nas vilas esquecidas, nos campos de refugiados, nas periferias invisíveis.
Chama-se sustentabilidade, mas o que se sustenta, na prática, é o velho ciclo do luxo e da exclusão.
Um monumento ao desperdício disfarçado de utopia verde.
Um espetáculo que celebra o “avanço da humanidade”, enquanto a humanidade, essa mesma, continua sendo sacrificada no altar da imagem e do capital.
O Espelho do Mundo: Tecnologia, Poder e o Vazio

O estádio da NEOM é mais que um projeto — é um símbolo do século XXI.
Um espelho que reflete o que nos tornamos: obcecados por grandeza e cegos para a miséria.
É o retrato de um planeta onde o espetáculo substituiu a compaixão, e onde a estética vale mais que a ética.
Um lugar em que chamamos de evolução o ato de erguer monumentos enquanto o próprio chão se desfaz.

“Um novo marco da sustentabilidade”, dizem os comunicados oficiais.
Mas não há nada sustentável em uma civilização que ainda precisa esconder os pobres para parecer bonita.
O Abismo Entre Céu e Terra

O estádio suspenso 350 metros acima do solo é uma metáfora involuntária — uma arena flutuante sobre o abismo social.
Lá em cima, a elite celebra o futuro.
Lá embaixo, o mundo real continua implorando por dignidade.
E nós, espectadores, assistimos hipnotizados.
Aplaudimos o luxo, compartilhamos o vídeo, comentamos “uau, incrível”, e seguimos em frente, anestesiados pela ideia de que o mundo está bem, de que “o progresso é inevitável”.
Mas não é.
Não há progresso algum quando o preço do espetáculo é a perda da empatia.
A Ilusão de que Vencemos

O estádio da NEOM é o retrato perfeito da era em que vivemos:
um planeta que parece acreditar que basta construir mais alto para não enxergar o sofrimento abaixo.
Gastamos bilhões para provar que somos deuses da engenharia, enquanto falhamos miseravelmente em sermos humanos.
Falamos de “cidades inteligentes”, mas ainda não aprendemos a ser sociedades conscientes.
Erguer um estádio suspenso é impressionante.
Mas o que realmente nos elevaria seria erguer pessoas.
A Pergunta que Fica

Se essa é a imagem do futuro, talvez o futuro esteja perdido.
Porque nenhuma cidade flutuante, nenhum estádio no céu, nenhuma promessa de carbono zero poderá compensar a miséria moral que aceitamos como normal.
Enquanto continuarmos aplaudindo obras que brilham sobre um mundo que sangra, estaremos apenas decorando a decadência.
A verdadeira revolução — a que a humanidade precisa com urgência — não é de concreto, é de consciência.
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