A corrida silenciosa pelas telas
Nas eleições municipais de 2025, a disputa pelo voto não acontece apenas nos palanques ou nas ruas. Ela se move silenciosa, mas poderosa, dentro das telas.
Por trás de vídeos espontâneos e opiniões supostamente “pessoais”, cresce um mercado de influenciadores digitais contratados por partidos políticos, muitas vezes de forma indireta, para moldar o debate público.
Essa estratégia se combina com inteligência artificial generativa, bots e algoritmos de engajamento emocional, criando uma forma inédita de influência eleitoral. O impacto? A democracia se vê exposta a uma manipulação invisível, sutil e quase impossível de rastrear.
“Hoje, o eleitor não sabe se está sendo convencido por um ser humano ou por uma máquina programada para persuadir”, alerta a pesquisadora Carla Moreira, da FGV.
1 — O fenômeno invisível
A reportagem identificou como partidos usam microinfluenciadores pagos indiretamente para espalhar narrativas políticas. Esses perfis, geralmente com 10 a 100 mil seguidores, recebem entre R$ 800 e R$ 5 mil por mês, pagos via empresas de marketing político ou contratos mascarados como “consultoria de conteúdo”.

O resultado é uma manipulação disfarçada de espontaneidade. As instruções podem incluir:
- Temas a abordar
- Hashtags estratégicas
- Postagens alinhadas à narrativa do partido
Em grupos de WhatsApp, circulam planilhas com listas de influenciadores “afinados” com determinadas legendas, mostrando que o planejamento é estruturado, não casual.
“Não é propaganda, é engenharia de opinião. E os algoritmos fazem o trabalho pesado”, explica André Caires, especialista em redes políticas da UFMG.
2 — A IA nos bastidores

Nos bastidores, a inteligência artificial gera textos, legendas e até vídeos completos, adaptados ao perfil emocional de diferentes públicos. Um ex-consultor de marketing digital ouvido pela reportagem confirmou:
“O uso de IA na comunicação política é regra, não exceção.”
Além disso, a chamada engenharia de prompt política permite criar conteúdos ideológicos que parecem neutros, direcionando mensagens específicas para segmentos distintos: jovens, religiosos, mulheres ou eleitores apolíticos.
“O discurso não precisa mais ser falso para ser manipulador. Basta ser emocionalmente calibrado”, afirma Joana Teles, especialista em ética e IA da UnB.
3 — Impactos e riscos

O efeito dessa estratégia é profundo:
- Alteração da percepção do eleitor sobre candidatos e temas
- Erosão da confiança na democracia
- Amplificação de desinformação sem sinais claros
Pesquisas recentes mostram que postagens emocionais e aparentemente espontâneas geram mais engajamento do que anúncios abertamente partidários, tornando os microinfluenciadores e a IA ferramentas poderosas para campanhas silenciosas.
4 — O vácuo regulatório
A legislação brasileira ainda engatinha no tema. Segundo juristas, a manipulação via influenciadores e IA não se enquadra facilmente como propaganda eleitoral irregular, pois o conteúdo parece espontâneo.
O TSE acompanha o fenômeno, mas enfrenta limitações:
- Falta de transparência algorítmica das redes sociais
- Dificuldade de rastrear pagamentos indiretos
- Complexidade técnica na identificação de conteúdo gerado ou amplificado por IA
“A democracia está sob uma pressão invisível e crescente”, alerta o jurista Fernando Lima, especialista em direito digital.
5 — Soluções e prevenção
Apesar dos riscos, há caminhos para mitigar a influência:
- Ferramentas de rastreamento: Botometer, Deepware Scanner e análise de padrões de engajamento
- Jornalismo investigativo: monitoramento de contratos de influenciadores e postagens estratégicas
- Educação digital: ensinar eleitores a identificar sinais de manipulação
Box lateral: Como identificar influência política disfarçada
- Postagens repetitivas ou muito alinhadas a um tema específico
- Ausência de transparência sobre patrocínio
- Linguagem emocionalmente calibrada para gerar engajamento
- Perfis de microinfluenciadores com comportamento sincronizado
Conclusão — O futuro invisível da política
A corrida eleitoral de 2025 mostra que a batalha pelo voto já não é apenas presencial, mas travada dentro de algoritmos e narrativas invisíveis.
Entre IA generativa, microinfluenciadores e bots, os partidos têm à disposição ferramentas que podem influenciar, moldar e até manipular a opinião pública, enquanto a legislação ainda corre para alcançar o ritmo tecnológico.
A pergunta que fica é: como proteger a democracia quando o poder das máquinas e dos megafones digitais se mistura ao do cidadão?





