Às vésperas do Dia da Consciência Negra, é impossível ignorar uma ferida profunda e silenciosa na formação do Brasil: a tentativa sistemática de apagar a memória, a genialidade e a grandeza de uma civilização que já foi uma das mais prósperas do mundo — a africana.
Hoje, quando muitos jovens afro-brasileiros são ensinados, consciente ou inconscientemente, a reduzir a identidade negra a futebol, tambor, samba, funk e axé, esquecem — ou nunca souberam — que nada disso resume ou define o que é ser negro.
Essas expressões culturais são boas e fluentes, sim; mas representam apenas uma fração do que a negritude sempre foi.
A verdadeira África, aquela que quase não aparece nos livros escolares, foi um mosaico de impérios complexos, ricos e tecnologicamente avançados:
Império do Mali, Império do Benim, Núbia, Axum, Songhai, Etiópia, centros de arquitetura monumental, matemática, astronomia, metalurgia, literatura e diplomacia.
Muito antes da Europa renascentista sonhar com universidades, centros africanos já formavam intelectuais.
Muito antes dos gregos erguerem colunas de mármore, povos africanos levantaram cidades completas em pedra, matemática pura, alinhadas com o sol e as estrelas.
E o que aconteceu?
A mesma história de sempre: invasão, violência, pilhagem e apagamento.
Porque se você quer dominar um povo, primeiro destrói sua memória.
E foi exatamente isso que as potências europeias fizeram.
Mas — apesar de todos os esforços — algumas chamas nunca se apagam.
E uma delas atende por um nome que o Brasil quase fez questão de esquecer:
Luiz Gama: O Gigante Que Libertou Outros Gigantes

Imagine um menino vendido como escravizado aos 10 anos pelo próprio pai endividado.
Um garoto que cresce numa sociedade construída para esmagá-lo, silenciá-lo e usá-lo como ferramenta.
Agora imagine esse mesmo menino, anos depois, se tornando o maior abolicionista brasileiro, um homem que derrubou correntes com sua caneta, sua inteligência, sua oratória e uma coragem que faltou a muita gente dita “ilustre”.
Esse homem foi Luiz Gonzaga Pinto da Gama.

Nascido em 1830, escravizado ainda na infância, autodidata, leitor voraz, poeta, jornalista, advogado — mesmo sem diploma.
Com seu conhecimento jurídico, libertou mais de 500 pessoas escravizadas nos tribunais.
Enfrentou juízes.
Desmascarou políticos racistas.
Desafiou o Império.
E ganhou.
Para muitos, ele era uma ameaça.
Para o sistema, ele era inaceitável.
Para a história oficial escrita por mãos brancas — ele era invisível.
Tentaram — e quase conseguiram — apagar sua existência dos livros.
Mas não conseguiram apagá-lo da memória dos que carregam fogo no peito.
Hoje, finalmente, Luiz Gama volta a ocupar o lugar que sempre foi dele:
o de herói nacional, intelectual brilhante, estrategista jurídico e libertador.
Por Que Falar Dele Agora?
Porque a juventude negra brasileira precisa saber que sua história não começa no navio negreiro.
Que seus ancestrais não foram povos “atrasados”, mas sim povos destruídos e saqueados — e que ainda assim, mesmo após tudo, sobreviveram e renasceram.
Consciência Negra não é festa.
Não é marketing.
Não é feriado vazio.
É memória.
É reparação.
É resistência.
É identidade.
É dizer à geração Z afro-brasileira:
“Vocês são descendentes de reis, rainhas, arquitetos, filósofos, guerreiros, cientistas, estrategistas e visionários.”
É recuperar aquilo que tentaram roubar: o direito de saber quem vocês são.
Um Herói Que o Brasil Tentou Esquecer — Mas O Povo Não Esquece

Luiz Gama é símbolo de tudo o que tentaram silenciar:
negros inteligentes, organizados, politizados, líderes, juristas, poetas, filósofos, revolucionários.
Ele é o lembrete vivo de que, apesar do apagamento, a verdade sempre encontra caminho para emergir.
Neste Dia da Consciência Negra, lembrar Luiz Gama não é apenas celebrar um nome.
É reacender a chama de toda uma ancestralidade.

É dizer, bem alto:
“Não apagaram.
Não vão apagar.
Nunca mais.”








