
Hoje, o Brasil amanhece um pouco mais silencioso. Luis Fernando Veríssimo fez a última crônica — não com tinta, mas com a própria vida. Morreu na madrugada de sábado, 30 de agosto, em Porto Alegre, vítima de complicações decorrentes de uma grave pneumonia, depois de cerca de três semanas na UTI do Hospital Moinhos de Vento
A última crônica
Sempre achei que morrer era uma questão de timing. Como no jazz, sabe? Aquele compasso que se prolonga além da conta, e quando o sax resolve entrar já não é mais hora — mas ainda assim soa bonito. Pois é, morri.
Não é spoiler, todo mundo sabia que esse seria o desfecho. O final da série é sempre o mesmo, só mudam os roteiristas. A diferença é que alguns fazem tragédia, outros novela mexicana. Eu preferi escrever crônica.
Fui cronista de boteco, de esquina, de jornal de domingo. Fui também saxofonista — um sax de segunda, mas tocado com amor de primeira. Inventei personagens que eram mais reais que muito político por aí. A Velhinha de Taubaté, por exemplo, acreditava em tudo. Hoje, desconfio que até ela teria desistido.
E o Analista de Bagé, esse, deve estar anotando minha ficha agora, pedindo para eu deitar no divã e falar do medo da eternidade. “Relaxa, tchê, a morte é só um sotaque a mais”, ele diria.
Se me perguntarem o que deixo, não sei se são livros, crônicas ou piadas. Acho que deixo é companhia. Palavras são isso: jeito de não deixar o silêncio sozinho.
Porto Alegre me ensinou o frio e o calor — da política, do futebol, das amizades e das tardes preguiçosas. O resto foi só improviso.
Se existe vida depois dessa, espero que haja jazz. E uma boa biblioteca, claro. Mas se não houver, tudo bem. Já escrevi bastante para me divertir no caminho.
Então é isso, meus caros. Obrigado pelas risadas, pelas leituras, pela paciência com minhas crônicas às vezes apressadas. Foi bom. Foi ótimo. Foi vida.
E, como cronista que se preza, encerro sem grandes conclusões, apenas com uma piscadela. Porque algumas despedidas não precisam de ponto final.http://jornalfactual.com.br