
Por algumas horas, o som das explosões deu lugar ao ruído discreto dos motores da Cruz Vermelha atravessando os portões de Gaza. Sob um céu cinzento e pesado, 20 reféns israelenses foram libertados pelo Hamas, enquanto Israel soltava cerca de 2 mil prisioneiros palestinos, entre eles 250 condenados à prisão perpétua.
O que parece um gesto humanitário é, na verdade, um xadrez político de consequências imprevisíveis.
Um cessar-fogo que respira, mas não descansa
Fontes diplomáticas confirmam que a troca abre espaço para uma trégua limitada, mediada por Qatar, Egito e ONU. Caminhões com ajuda humanitária voltaram a cruzar Rafah, e hospitais de campanha começaram a operar novamente em Khan Younis e Rafah City.
Mas em Israel, o alívio é apenas parcial. Os primeiros sete reféns libertos — agora nos braços das famílias — trouxeram lágrimas, mas também revolta: “Por que apenas vinte? Onde estão os outros?”, perguntava um pai diante das câmeras em Tel Aviv.
O governo de Benjamin Netanyahu, pressionado por todos os lados, tenta equilibrar-se entre a gratidão pública e a fúria dos setores mais radicais, que consideram a libertação dos presos palestinos “uma concessão inaceitável”.
Um governo entre o resgate e a vingança
Para Netanyahu, cada decisão é um campo minado.
De um lado, as famílias dos reféns exigem “todos de volta, a qualquer custo”. Do outro, ministros ultranacionalistas pedem a retomada imediata dos bombardeios e até a expulsão de civis palestinos de Gaza.
Essa tensão interna poderá definir o rumo da guerra mais do que qualquer ofensiva militar.
Enquanto isso, em Gaza, as ruas tentam celebrar — timidamente. A libertação dos prisioneiros é vista como vitória simbólica do Hamas, que se apresenta como o único grupo capaz de enfrentar Israel e arrancar concessões concretas. Mas também é um movimento arriscado: a trégua pode servir para Israel rearmar suas tropas e preparar uma nova incursão.
A guerra que se reinventa
Nos bastidores da diplomacia, Estados Unidos e União Europeia intensificam pressões para que o cessar-fogo se prolongue.
O Qatar tenta costurar um acordo mais amplo, enquanto o Egito oferece seu território para futuras negociações.
Mas a verdade é que nenhum lado confia no outro — e sem confiança, toda trégua é apenas uma pausa antes da próxima explosão.
Analistas apontam que o equilíbrio momentâneo é instável como um castelo de cartas: bastaria um ataque isolado, uma provocação de milícia ou uma palavra mal colocada para tudo desmoronar novamente.
Entre o sangue e a esperança

Há, contudo, algo maior que a política.
Nos abrigos de Tel Aviv, mães israelenses dormem pela primeira vez em meses com seus filhos de volta.
Nas vielas de Ramallah e Rafah, famílias palestinas se reencontram após décadas de prisão.
Em meio às ruínas, há abraços que desafiam o ódio e olhares que ainda acreditam no impossível.
A troca de reféns pode não pôr fim à guerra — mas revela uma verdade inescapável: quando o sangue cansa, a humanidade sussurra.
O que vem depois
O futuro imediato aponta para:
- Um cessar-fogo frágil, possivelmente renovado sob pressão internacional;
- Negociações indiretas para libertações adicionais;
- Escalada política interna em Israel e tensões crescentes na Cisjordânia;
- E, inevitavelmente, o retorno da violência se a diplomacia falhar.
O Oriente Médio vive mais uma vez entre o respiro e o abismo.
E talvez, como tantas vezes antes, a paz seja apenas um intervalo — curto, precioso, e dolorosamente humano — entre duas guerras que ninguém mais quer lutar.http://jornalfactual.com.br