
Quando o governo perde o controle do próprio jogo, até uma medida provisória expirada vira símbolo de algo maior.
O governo Lula acaba de sofrer uma das derrotas mais simbólicas do ano — e não apenas no campo econômico. A Câmara dos Deputados deixou expirar a Medida Provisória que previa aumento de tributos sobre investimentos financeiros e fintechs, uma iniciativa que buscava reforçar a arrecadação e ajudar a cumprir a meta fiscal.
A MP, enviada em julho, queria uniformizar em 18% o Imposto de Renda sobre aplicações financeiras (incluindo criptomoedas) e elevar de 9% para 15% a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das fintechs. Parecia tecnicamente razoável, mas politicamente, foi um desastre.
Por 251 votos a 193, a maioria dos deputados — em sua grande parte do Centrão — aprovou sua retirada de pauta. O texto sequer foi votado no mérito e morreu à meia-noite, sem que o Senado se movesse.
Um abalo além dos cofres
O impacto financeiro é pesado — o governo calcula um rombo de R$ 35 bilhões nas contas de 2026 e já prevê bloquear R$ 10 bilhões em emendas no próximo ano. Mas o dano político é ainda maior.
A MP era uma peça estratégica para o discurso de responsabilidade fiscal do Planalto. Ao deixá-la morrer, o Congresso mandou um recado claro: não basta enviar propostas — é preciso ter base para sustentá-las.
A derrota, na prática, escancarou a fragilidade da articulação política do governo e o limite do apoio parlamentar. O PT reagiu chamando o episódio de “sabotagem política”, e Lula foi direto: “a oposição impôs uma derrota ao povo brasileiro”.
Mas há quem veja o caso sob outra ótica: a de um Congresso empoderado, que se recusa a ser coadjuvante num governo que ainda tenta equilibrar discurso popular com prática fiscal.
Entre o ajuste e o poder
A oposição comemorou o desfecho. Argumenta que o governo precisa ajustar as contas cortando gastos, e não aumentando impostos. A fala encontra eco entre parte dos deputados da base, cada vez mais preocupados com a reação de seus eleitores.
A verdade é que a derrota da MP não foi apenas sobre dinheiro, mas sobre autoridade. Brasília parece ter redescoberto que o poder é, por natureza, um território disputado — e que, no Congresso, as lealdades custam caro.
A metáfora da MP que morreu
A MP que caducou virou, em si, uma metáfora do momento político: uma medida provisória para um governo que ainda não encontrou sua estabilidade permanente.
Em tempos de acordos líquidos e alianças por conveniência, o episódio revela um governo que, embora tenha o comando do Executivo, ainda luta para governar.
A derrota fiscal é, na verdade, um aviso político. E o preço da governabilidade, ao que tudo indica, será mais alto do que os 18% propostos para o Imposto de Renda.http://jornalfactual.com.br