 
									Por Factual – Sexta-feira, 31 de outubro de 2025
Enquanto o governo propõe o PL Antifacção, o país ignora as rotas de armas, o dinheiro e os interesses que sustentam o crime.
Mais de 120 mortos em uma única operação no Rio de Janeiro. Um número que, por si só, já deveria chocar qualquer país civilizado. No entanto, é apenas mais um capítulo de uma tragédia anunciada — e repetida há décadas — nas favelas e periferias brasileiras.
Em resposta, o governo federal promete enviar ao Congresso o chamado PL Antifacção, que pretende endurecer penas contra integrantes de facções e criar um banco nacional de dados de investigados.
Uma medida importante, sim, mas também tardia. Muito tardia.
Por que demorou tanto?
O Brasil já convive há mais de 30 anos com o fortalecimento das facções criminosas. Desde o surgimento do Comando Vermelho, ainda nas prisões cariocas dos anos 1980, o Estado sabe que não enfrentava apenas delinquência — mas uma estrutura organizada de poder, com lógica empresarial, militar e política.
Mesmo assim, as ações públicas sempre foram fragmentadas, reativas e pontuais. Em vez de planejamento estratégico, o que se viu foi uma sucessão de operações “espetaculares” que, no fim, apenas realimentaram o ciclo da violência.
O novo projeto de lei parece repetir o mesmo roteiro: chega depois da catástrofe, como tentativa de resposta à pressão social e midiática.
Mas leis mais duras não enfrentam o coração do problema — porque as armas continuam chegando.
As rotas invisíveis: o caminho das armas
Eis a pergunta que poucos fazem: de onde vêm as armas que sustentam o poder das facções?
As respostas estão nas rotas internacionais — e nas omissões internas. As armas entram pelas fronteiras do Paraguai, da Bolívia e da Colômbia, passam pelos portos, pelas rotas fluviais da Amazônia e até pelos contêineres do comércio internacional.
É o mesmo trajeto percorrido por drogas, combustíveis e contrabando, alimentado por uma cadeia que vai muito além das comunidades.
Um sistema onde corrupção, omissão e interesses cruzados permitem que o crime se arme mais rápido do que o Estado se planeja.
Enquanto se fala em “guerra ao tráfico”, pouco se discute o que de fato sustenta o poder bélico das facções: o mercado internacional de armas, a fragilidade da fiscalização portuária e a conivência de agentes públicos que lucram com o caos.
A militarização do crime

O que mais inquieta, porém, é o processo de militarização do crime.
As facções não são mais apenas grupos criminosos — são estruturas paramilitares, que controlam territórios, impõem regras, cobram impostos, punem e “governam” como microestados dentro do Estado.
E o mais alarmante: dialogam com a política.
Há interesses eleitorais, financiamento de campanhas e zonas de silêncio em nome da “governabilidade”.
Combater o crime, hoje, exige muito mais do que endurecer penas.
Exige reconstruir a soberania do Estado sobre seu território — e sobre as próprias instituições que, muitas vezes, se dobram diante do poder paralelo.
Os que mais se beneficiam
O mais incômodo, porém, é perceber que os maiores beneficiados desse sistema não estão nas vielas — estão nos gabinetes.
São aqueles que ganham visibilidade, poder ou recursos com o discurso da criminalidade, enquanto o caos segue útil para manter orçamentos inflados, carreiras políticas vivas e contratos estratégicos em curso.
Alguns se apresentam como “defensores públicos” ou “garantistas”, mas atuam, na prática, como guardiões de um sistema que não quer mudar.
Não porque defendem direitos — o que é justo e necessário —, mas porque defender o desequilíbrio é mais rentável politicamente do que resolvê-lo.
O Estado, nesse contexto, parece ter terceirizado sua impotência: permite que o crime controle o território enquanto finge combatê-lo com novas leis.
E assim, as armas continuam chegando, os cofres continuam cheios e o povo continua morrendo.
O que o eleitor precisa enxergar

Com as eleições se aproximando, o tema da segurança pública volta a ser usado como palanque de discursos fáceis.
Mas o eleitor precisa olhar além da retórica do “bandido bom é bandido morto”.
A verdadeira pergunta é: quem lucra com o crime?
Quem permite que toneladas de armas e drogas atravessem fronteiras todos os dias?
E por que, ano após ano, as comunidades continuam sendo o palco, e nunca o alvo real, das políticas de segurança?
A violência não nasce na favela — ela chega até lá.
Enquanto o foco continuar apenas em punir quem puxa o gatilho, e não quem abastece o arsenal, o Brasil seguirá matando seus pobres e poupando seus cúmplices.
Reflexão final

O “PL Antifacção” pode até ser um passo, mas não é o caminho.
Sem enfrentar as rotas internacionais de armas, sem romper a aliança entre crime, política e dinheiro, e sem redefinir o papel das forças de segurança e do sistema de Justiça, o país continuará enxugando sangue com decretos.
Porque, no fundo, o que ainda governa o Brasil não é apenas o poder eleito — mas o poder armado, legitimado pelo silêncio dos que dizem defender a lei.
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