
Mercado de trabalho tem vagas, mas não tem gente qualificada. Especialistas alertam que o descompasso entre educação e demanda ameaça o crescimento econômico do país.
O Brasil vive, em 2025, um dos momentos mais desafiadores do seu mercado de trabalho nas últimas décadas. Apesar de um número expressivo de oportunidades abertas em setores estratégicos, empresas de diferentes áreas relatam a mesma dificuldade: encontrar profissionais capacitados para preenchê-las.
O problema, que há anos preocupa empresários e formuladores de políticas públicas, atingiu agora o seu ponto mais crítico — configurando o maior déficit de profissionais dos últimos cinco anos.
O retrato do déficit: 8 em cada 10 empresas sofrem com escassez de talentos
De acordo com levantamento da consultoria Randstad, 81% das empresas brasileiras declaram ter dificuldade para contratar profissionais qualificados, percentual superior à média global, de 75%. Em outras palavras, oito em cada dez empregadores não conseguem preencher todas as vagas que oferecem, mesmo em um cenário no qual o país ainda convive com altas taxas de desemprego e informalidade.
Esse paradoxo — vagas sobrando de um lado e profissionais faltando do outro — revela um descompasso estrutural entre a formação da força de trabalho e as necessidades da economia. E a lacuna só tem crescido à medida que novas tecnologias e modelos de negócio aceleram transformações em setores tradicionais e criam demandas inéditas por competências técnicas.
Tecnologia: epicentro da escassez
O setor de Tecnologia da Informação (TI) simboliza com clareza o tamanho do desafio. Segundo a Brasscom (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), o Brasil precisará de cerca de 530 mil profissionais de tecnologia até 2025, mas as universidades e cursos técnicos formarão aproximadamente 465 mil — um déficit projetado de 65 mil especialistas em apenas um ciclo de quatro anos.
As empresas buscam perfis que dominem linguagens de programação, ciência de dados, segurança cibernética, computação em nuvem e inteligência artificial — áreas em que a oferta de mão de obra qualificada está muito aquém da demanda.
“Não se trata apenas da quantidade de profissionais formados, mas da aderência de suas competências ao que o mercado exige hoje. A defasagem curricular é um problema grave”, explica André Monteiro, diretor de inovação de uma empresa de software em São Paulo.
Saúde e engenharia: gargalos críticos
A escassez de mão de obra também se manifesta com força em setores tradicionais, como saúde e engenharia.
Na área médica, embora o país forme milhares de novos profissionais por ano, a oferta de vagas em programas de residência e especialização está muito abaixo do necessário. Como resultado, muitos médicos recém-formados não conseguem se qualificar em áreas essenciais, ao mesmo tempo em que diversas regiões do país sofrem com a falta de especialistas.
Em engenharia, as demandas geradas por obras de infraestrutura, projetos de energia renovável e a modernização industrial encontram um contingente limitado de profissionais com habilidades técnicas atualizadas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) alerta que a escassez de engenheiros ameaça o cronograma de investimentos estratégicos no país e pode frear o avanço de setores-chave da economia.
Causas estruturais: educação defasada e evasão acadêmica
Especialistas apontam duas causas principais para o agravamento do déficit de profissionais no Brasil: formação educacional desalinhada às necessidades do mercado e alta taxa de evasão no ensino técnico e superior.
Grande parte dos cursos universitários ainda segue currículos pouco conectados com as exigências do mundo do trabalho, especialmente em áreas ligadas à inovação e tecnologia. A consequência é que muitos graduados deixam as universidades sem as habilidades práticas mais demandadas pelas empresas.
A evasão acadêmica também é um fator preocupante. Na área de tecnologia, por exemplo, cerca de 60% dos estudantes abandonam a graduação antes de concluir o curso. Fatores econômicos, dificuldades de adaptação e a necessidade de conciliar estudo com trabalho estão entre as principais causas do abandono.
Além disso, a baixa adesão a programas de requalificação e atualização profissional faz com que muitos trabalhadores permaneçam com competências defasadas em um mercado em rápida transformação.
Consequências: salários em alta e fuga de talentos
O desequilíbrio entre oferta e demanda tem efeitos diretos sobre a economia. A escassez de profissionais qualificados pressiona os salários em diversas áreas, elevando os custos de operação das empresas e, consequentemente, os preços de produtos e serviços.
Paralelamente, a crescente disputa global por talentos — intensificada pela expansão do trabalho remoto — tem levado muitos profissionais brasileiros a migrarem para vagas no exterior, atraídos por remunerações mais competitivas e oportunidades de desenvolvimento.
Essa “fuga de cérebros” aprofunda ainda mais o déficit interno e reduz a capacidade do país de competir em setores estratégicos, como tecnologia, ciência e inovação.
Caminhos para o futuro: urgência em requalificar e modernizar
Diante desse cenário, especialistas defendem uma resposta coordenada que envolva Estado, empresas e instituições de ensino.
“É fundamental modernizar os currículos, fortalecer o ensino técnico e criar políticas de requalificação contínua. Sem isso, estaremos sempre correndo atrás do prejuízo”, alerta Mariana Almeida, pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Medidas como incentivos fiscais para empresas que investem em capacitação, ampliação de programas de educação profissional e estímulo a parcerias entre universidades e o setor produtivo são apontadas como passos essenciais para reduzir a lacuna de talentos no médio e longo prazo.
Conclusão: o tempo está contra nós
O maior déficit de profissionais dos últimos cinco anos é mais do que um número preocupante — é um sinal de alerta sobre a urgência de repensar o modelo de formação e qualificação no Brasil.
Com o avanço tecnológico acelerado, a transição energética em curso e a crescente demanda por serviços de alta complexidade, o país precisa agir rapidamente para evitar que a falta de mão de obra especializada se transforme em um obstáculo estrutural ao desenvolvimento econômico.
Se não houver uma reação coordenada, o risco é claro: as oportunidades continuarão surgindo — mas o Brasil seguirá sem gente preparada para aproveitá-las.http://jornalfactual.com.br