
Uma operação integrada entre órgãos de segurança pública e vigilância sanitária acendeu um alerta sobre um problema silencioso e potencialmente letal em São Paulo: a circulação de bebidas alcoólicas sem procedência, possivelmente adulteradas com substâncias tóxicas. A ação, realizada nesta semana, resultou na apreensão de 117 garrafas de bebidas sem rótulo ou origem comprovada, levantando sérias suspeitas sobre adulteração com metanol — um álcool altamente perigoso e proibido para consumo humano.
A operação, fruto de uma força-tarefa coordenada pela Secretaria de Segurança Pública, pelo Centro de Vigilância Sanitária (CVS), pela Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa) e pela Polícia Civil, foi deflagrada em três estabelecimentos comerciais nos bairros Jardim Paulista e Mooca, regiões estratégicas da capital paulista conhecidas pela intensa movimentação de bares e casas noturnas. Em dois deles, fiscais encontraram irregularidades graves: garrafas sem rótulo, sem selo fiscal, com lacres violados e sem qualquer comprovação de origem. Todo o material apreendido foi encaminhado ao Instituto de Criminalística, onde passará por análises laboratoriais detalhadas.
O rastro do metanol: intoxicações em alta e mortes confirmadas
O estopim para a operação foi o aumento repentino de casos de intoxicação por metanol no estado. Desde junho, as autoridades de saúde confirmaram seis casos e três mortes associadas ao consumo de bebidas adulteradas. Outros dez casos seguem sob investigação, indicando que o problema pode ser mais amplo do que se imaginava.
O metanol, substância derivada da destilação de madeira e usada em combustíveis e solventes industriais, é altamente tóxico para o organismo humano. Mesmo em pequenas quantidades, pode provocar cegueira irreversível, danos neurológicos severos, náuseas intensas, dores abdominais e insuficiência renal aguda. Em casos mais graves, a ingestão leva à morte em poucas horas.
Segundo especialistas ouvidos pelas autoridades sanitárias, o uso do metanol em bebidas falsificadas não é novo. Por ser muito mais barato que o etanol (álcool próprio para consumo), criminosos o utilizam para “batizar” a produção de cachaças e destilados clandestinos, aumentando o volume e o lucro. O resultado, no entanto, é devastador.
“Estamos diante de um cenário extremamente perigoso. Essas bebidas não passam por controle algum e podem conter substâncias químicas fatais. É um risco real e imediato para a população”, afirmou um técnico do CVS que participou da operação.
O submundo das bebidas clandestinas
As investigações da Divisão de Investigações sobre Infrações contra a Saúde Pública, ligada ao Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC), apontam que os produtos apreendidos podem fazer parte de uma rede clandestina de falsificação e distribuição de bebidas que atua em diferentes regiões do estado. Essa rede abastece pequenos bares, botecos de bairro e festas clandestinas com bebidas sem procedência e de altíssimo risco sanitário.
O esquema é sofisticado: garrafas vazias de marcas conhecidas são recolhidas, reabastecidas com misturas adulteradas e vendidas como originais. Em alguns casos, falsificadores chegam a produzir rótulos e lacres falsos para enganar consumidores e fiscais.
Segundo investigadores, o comércio irregular se aproveita da falta de fiscalização constante e da busca por preços baixos no mercado informal. “Muitos consumidores não fazem ideia do que estão ingerindo. O preço menor pode esconder um risco mortal”, alerta um delegado envolvido no caso.
O impacto na saúde pública e o desafio da fiscalização
O avanço desse tipo de crime representa um desafio crescente para a saúde pública. Além dos casos fatais registrados recentemente, há um número desconhecido de intoxicações leves e moderadas que não chegam a ser notificadas aos sistemas de vigilância. Isso dificulta a criação de políticas eficazes de prevenção e resposta.
Autoridades sanitárias reforçam que o combate à adulteração exige fiscalizações constantes, rastreabilidade dos produtos e maior conscientização do público. “A população precisa entender que bebida sem rótulo, sem selo ou vendida a preço muito abaixo do mercado é um risco real. Se houver dúvida, não consuma e denuncie”, orienta o CVS.
Como agir em caso de suspeita
A recomendação das autoridades é clara: nunca consumir bebidas sem procedência, sem rótulo, com lacre violado ou vendidas informalmente. Em caso de suspeita de intoxicação, a orientação é procurar atendimento médico imediato e entrar em contato com o Centro de Assistência Toxicológica (CIATox) pelo telefone 0800 722 6001.
A investigação sobre a origem das bebidas apreendidas continua. Os responsáveis pelos estabelecimentos autuados poderão responder por crime contra a saúde pública, previsto no Código Penal, com penas que podem chegar a 15 anos de prisão.
Enquanto isso, a força-tarefa promete intensificar as fiscalizações nos próximos meses. O objetivo é desmontar a cadeia criminosa por trás da adulteração de bebidas — um crime silencioso, mas que pode custar vidas.http://jornalfactual.com.br