
Um milagre, dizem. Mas todo milagre carrega cicatrizes.
Dois anos após o ataque que mergulhou Israel em luto e desespero, os últimos 20 reféns vivos foram libertados da Faixa de Gaza. O país vibrou, o mundo aplaudiu, e manchetes celebraram um “fim feliz”.
Mas entre as lágrimas de alívio e o som dos sinos de Jerusalém, ecoa um silêncio que poucos querem ouvir: nenhuma mulher estava entre os libertados.
As libertações e o acordo político
A libertação foi resultado de um acordo mediado por Estados Unidos, Egito e Catar, selando um cessar-fogo que promete encerrar — ao menos temporariamente — o conflito que começou em 7 de outubro de 2023, quando milicianos do Hamas invadiram comunidades israelenses e levaram mais de 240 pessoas como reféns.
Em troca dos reféns, Israel libertou cerca de 250 prisioneiros palestinos, incluindo condenados por crimes graves. Foi o preço por um alívio coletivo — mas também o início de uma nova dor.
“Foi um milagre”, disse o primeiro-ministro israelense em discurso transmitido ao vivo.
“Todos voltaram.”
Mas não, nem todos voltaram.
As que ficaram nas sombras
Fontes independentes e relatórios de direitos humanos indicam que ao menos três mulheres seguem com status incerto — não foram libertadas nem tiveram seus corpos oficialmente devolvidos:
- Shiri Silberman Bibas, 33 anos, civil — corpo não entregue, apesar das promessas em fevereiro.
- Arbel Yehud, 29 anos, civil — listada para libertação, mas sem confirmação de retorno.
- Agam Berger, 21 anos, soldado — jovem militar que figurava nas listas iniciais, mas não apareceu entre os grupos libertados.
Essas ausências têm peso simbólico e político. Em um país que festeja o retorno dos seus, as mulheres continuam ausentes até mesmo das comemorações.
O que tentam ocultar
A ausência das mulheres entre os libertados expõe o que muitos chamam de “o terror que tentam ocultar” — não apenas o horror da guerra, mas o tratamento dado às reféns durante o cativeiro.
Os relatos que emergem, filtrados por censuras e negociações diplomáticas, falam de:
- Torturas psicológicas e longos períodos em confinamento subterrâneo.
- Violações sexuais sistemáticas, reconhecidas tardiamente por autoridades internacionais.
- Omissão e silêncio diplomático, em nome de acordos frágeis e interesses regionais.
São fatos que não cabem nas celebrações oficiais — mas que ecoam no coração das famílias que ainda esperam por respostas.
“Quando todos dizem que o milagre aconteceu, eu lembro da minha filha que não voltou”, disse a mãe de uma das reféns desaparecidas, em entrevista à Haaretz.
“Um milagre que deixa as mulheres de fora não pode ser completo.”
A ferida que o milagre não curou
O retorno dos homens libertados é uma vitória humana e política, sem dúvida.
Mas a libertação seletiva, que não inclui as mulheres ainda presas ou mortas, revela uma cicatriz mais profunda: a desigualdade de quem tem o direito de ser lembrado.
Israel promete investigar o paradeiro das reféns desaparecidas. Organizações internacionais pedem transparência sobre as negociações e o cumprimento integral dos tratados de Genebra, que garantem o tratamento humanitário a prisioneiros civis.
Enquanto isso, o mundo celebra — e algumas mães continuam a acender velas no escuro.
Reflexão final
O “milagre em Israel” não é o fim da história — é o início de um novo capítulo de consciência.
A libertação de uns não deve calar o sofrimento das outras.
A paz verdadeira começa quando todas as vidas são contadas, e nenhum nome é esquecido.
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Com informações de The Guardian, Reuters, DW, AP News e Washington Post.