Há artistas que passam.
E há aqueles que permanecem como luz, mesmo quando o corpo decide descansar.
Jimmy Cliff, aos 81 anos, não morreu — apenas trocou de estado.
Abandonou a matéria e se misturou ao vento, às ondas, aos tambores, àquilo de onde sempre veio: a vibração eterna da música.
Hoje, os fãs do reggae não lamentam apenas a perda de um ícone.
Lamentam a partida de um guia espiritual do ritmo, alguém que, mesmo sem saber, salvou vidas, reacendeu forças, devolveu coragem em dias cinzentos. Cliff não era só ouvido — era sentido.
A voz que ensinou o mundo a atravessar seus próprios abismos

Jimmy Cliff tinha o dom raro de cantar como quem estende a mão.
Em “Many Rivers to Cross”, ele não ofereceu uma música.
Ofereceu um espelho.
Quantos de nós não atravessamos nossos próprios rios ouvindo aquela melodia que parecia entender tudo antes de nós?
Em “You Can Get It If You Really Want”, ele transformou o reggae em incentivo, quase uma oração empurrando o espírito para frente. Cliff era aquele amigo que diz “vai, eu acredito em você”, mesmo quando o mundo inteiro duvida.
E em “I Can See Clearly Now”, sua voz parecia escancarar janelas.
Era como se tirasse uma capa de sombra que às vezes cobre o peito.
Quem ouve Jimmy Cliff sai um pouco mais leve — e nem sempre sabe explicar por quê.
A Jamaica que ele carregava no peito era maior do que a ilha no mapa
Jimmy era filho de uma Jamaica profunda, feita de luta e beleza, de mar e resistência, de dor e festa. E talvez por isso conseguia transbordar tanto.
Quando protagonizou The Harder They Come, não interpretou um personagem — interpretou seu povo. Explicou ao mundo que a música não era só diversão: era identidade, era denúncia, era sobrevivência.
Cliff ajudou a levar o reggae das esquinas quentes de Kingston para salas de cinema, palcos internacionais, rádios, toca-discos, corações. E fez isso sem perder a ternura, a simplicidade, o sorriso de quem sabe que nasceu para servir à arte e ao outro.
Sua partida não fecha um ciclo. Abre outro.
Há artistas que concluem sua história.
Jimmy Cliff não é um deles.
Sua morte é apenas o início de uma nova fase: a da permanência absoluta.
Ele vive cada vez que alguém encontra força numa letra sua.
Vive quando um jovem descobre o reggae pela primeira vez.
Vive quando uma dor encontra consolo em sua melodia.
Vive quando alguém decide continuar, mesmo exausto, porque ouviu Cliff cantar que a travessia vale a pena.
Ele se tornou um estado de espírito, um tipo de luz que se acende no peito sem pedir permissão.
**Jimmy Cliff agora é horizonte.
É caminho.
É barco que continua flutuando mesmo sem barqueiro.**
Seu legado não cabe em prateleiras, prêmios ou números.
Cabe é em pessoas — nas que ele tocou, levantou, guiou.
E que sorte a nossa ter existido ao mesmo tempo que ele.
Porque enquanto a humanidade tiver rios difíceis para atravessar, enquanto houver alguém precisando ouvir que vale a pena insistir, enquanto houver um coração buscando paz…
Jimmy Cliff continuará vivo.
Não se despede de um farol.
Apenas se segue a luz.






