Enquanto EUA e China ensaiam uma trégua tarifária e Pequim retoma compras agrícolas americanas, o Brasil observa atento — dividido entre oportunidades no agronegócio e o desafio de conquistar espaço no mercado de minerais críticos.
O encontro entre Donald Trump e Xi Jinping nesta semana marcou um novo capítulo no intrincado relacionamento entre as duas maiores potências econômicas do planeta. Em uma reunião descrita como “muito produtiva” por ambos, os líderes selaram um acordo-quadro comercial que promete reduzir tarifas, retomar importações agrícolas e estabilizar temporariamente o fluxo de minerais estratégicos — especialmente terras raras, insumos vitais para a indústria de alta tecnologia e defesa.
O gesto, celebrado por Trump como “o início de uma nova fase de prosperidade”, inclui a redução de tarifas americanas de 57% para 47% sobre produtos chineses e o retorno das compras chinesas de soja, milho e carne suína dos Estados Unidos — um alívio político para o campo americano, duramente afetado pela guerra comercial desde 2018. Pequim, por sua vez, promete manter o fluxo de exportações de terras raras e colaborar em novas frentes energéticas e sanitárias.
Mas o que soa como “alívio global” reacende um debate crucial para o Brasil: onde o país se encaixa nesse reordenamento econômico entre os dois gigantes?
O xadrez dos grãos
O Brasil, que nas últimas temporadas agrícolas se tornou o principal fornecedor de soja para a China, acompanha o desenrolar das negociações com uma mistura de otimismo e cautela.
Segundo dados da Reuters e da USDA, o Brasil respondeu, em 2025, por até 80% da soja importada por Pequim — com 12,11 milhões de toneladas exportadas apenas em maio, uma alta de 37% em relação a 2024. Essa dominância se consolidou durante a guerra tarifária, quando a China praticamente abandonou o mercado americano.
Com a reaproximação EUA-China, no entanto, parte desse espaço tende a encolher. Produtores americanos pressionam Trump por acesso rápido e amplo ao mercado chinês, o que pode gerar competição direta com os embarques brasileiros, especialmente no segundo semestre de 2026.
Ainda assim, o Brasil mantém vantagens logísticas e de custo. Segundo analistas, a soja brasileira chega a portos chineses com custo médio inferior em 4 a 6% ao da soja americana, além de apresentar padrões ambientais e de rastreabilidade mais alinhados às novas exigências do mercado asiático.
“Se o Brasil investir em certificação e agregação de valor, dificilmente perde relevância”, avalia o economista agrícola Eduardo Farias, da FGV-Agro. “Mas se depender apenas do preço, o risco é real.”
O ouro invisível das terras raras
Mais discreto, mas com potencial ainda maior, está o jogo dos minerais críticos. O Brasil detém cerca de 23% das reservas conhecidas de terras raras do planeta, segundo estimativas recentes da Trade.gov, mas produz uma fração mínima do total global.
Com a nova trégua entre Washington e Pequim, a China promete não restringir exportações desses minerais por um ano — um gesto que reduz a pressão sobre cadeias industriais dos EUA e da Europa. Ainda assim, as potências ocidentais seguem buscando fontes alternativas para escapar da dependência chinesa. E é aqui que o Brasil entra como peça-chave.
Dados de comércio exterior indicam que as exportações brasileiras de compostos de terras raras para a China triplicaram em 2025, chegando a US$ 6,7 milhões no primeiro semestre. Pequim, consciente de sua vulnerabilidade, tem buscado diversificar fornecedores e investir em mineração verde, abrindo espaço para parcerias tecnológicas com países como o Brasil, Austrália e Índia.
“É uma janela de oportunidade histórica”, explica Ana Ribeiro, pesquisadora da USP e especialista em geoeconomia. “Mas o Brasil precisa desenvolver rapidamente sua cadeia de processamento e refino. Caso contrário, continuará exportando matéria-prima barata e importando produtos caros.”
Entre o risco e a oportunidade
Para o Brasil, a nova trégua sino-americana representa uma encruzilhada estratégica:
- No agronegócio, há o risco de perda de mercado e compressão de preços, caso a China volte a privilegiar produtores americanos.
- Em minerais críticos, o país pode se firmar como nova fronteira de fornecimento — se conseguir superar gargalos logísticos, tecnológicos e ambientais.
O economista Carlos Nogueira, do Instituto de Estudos do Comércio Global, resume:
“O Brasil precisa parar de reagir e começar a antecipar. Se Trump e Xi estão redesenhando as rotas do comércio, o Brasil deve estar entre quem traça o mapa — não entre os que apenas o seguem.”
O desafio da autonomia
O acordo Trump–Xi, portanto, não é apenas uma trégua comercial — é um sinal de que a geopolítica econômica global entrou numa nova fase, marcada por reacomodação de poder, regionalização de cadeias e disputa tecnológica.
Para o Brasil, que tenta equilibrar parcerias com China, Estados Unidos e União Europeia, o momento exige visão estratégica e coragem de investimento.
Afinal, num mundo em que soja e terras raras valem quase tanto quanto petróleo, quem souber unir agricultura e tecnologia será o verdadeiro vencedor do século XXI.http://jornalfactual.com.br







