
Crescimento acelerado da energia solar expõe gargalos na infraestrutura e na gestão do setor elétrico brasileiro. O país brilha nas estatísticas, mas ainda tropeça na base que sustenta esse avanço.
O Brasil está descobrindo a força do próprio sol — e a conta dessa descoberta é tão promissora quanto complexa.
Nos últimos anos, painéis solares se multiplicaram em telhados, fazendas e indústrias, transformando a matriz energética e colocando o país entre os líderes globais em geração fotovoltaica.
Mas, à medida que a energia solar cresce, também se tornam mais visíveis as rachaduras no sistema elétrico nacional: redes sobrecarregadas, falta de planejamento para horários de pico e uma gestão ainda despreparada para lidar com a intermitência dessa fonte.

O país que virou potência solar
De norte a sul, a corrida pelo sol é evidente.
De acordo com dados recentes da Aneel, o número de sistemas de geração distribuída — aqueles instalados em casas e comércios — ultrapassou a marca de 3,5 milhões de conexões.
A energia solar já responde por cerca de 18% da matriz elétrica brasileira, um salto notável num período de apenas cinco anos.
O avanço é impulsionado pela queda dos preços dos painéis, incentivos fiscais e pela busca crescente dos consumidores por autonomia e sustentabilidade.
Para muitas famílias, gerar a própria energia é tanto uma economia quanto um ato de liberdade diante das tarifas em alta.
Quando o sistema não acompanha o sol

Mas essa revolução luminosa também lança sombras.
O crescimento acelerado da energia solar vem expondo falhas estruturais que há décadas se acumulam no sistema elétrico brasileiro.
A primeira delas é o desequilíbrio entre oferta e demanda.
O país está gerando cada vez mais energia — mas nem sempre consegue distribuí-la de forma eficiente.
Em horários de sol intenso, a produção pode exceder o consumo, gerando sobrecarga em linhas de transmissão e, paradoxalmente, desperdício.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) admite outro problema: a falta de dados meteorológicos e de geração precisos.
Sem previsões confiáveis de irradiância solar, o despacho de energia — ou seja, o planejamento de quais usinas devem operar em cada momento — torna-se um jogo de adivinhação.
“Estamos vivendo um momento em que o sistema elétrico brasileiro precisa reaprender a lidar com a abundância”, resume um engenheiro do setor.
“Antes, o medo era faltar energia; agora, é ter demais no momento errado.”
O risco do “apagão reverso”
Sim, ele existe — e já preocupa especialistas.
O chamado apagão reverso ocorre quando há excesso de energia renovável injetada na rede sem controle suficiente para absorvê-la ou redistribuí-la.
É o lado B da transição energética: um sistema projetado para escassez que agora precisa lidar com a fartura.
Sem infraestrutura moderna, a energia solar pode causar instabilidade no fornecimento, especialmente quando combinada com picos de consumo ou intempéries climáticas.
E quando o sol se põe, o país ainda depende fortemente de hidrelétricas e termelétricas para equilibrar o sistema.
Falta gente (e preparo)

Outro gargalo é humano.
A escassez de mão de obra qualificada ameaça o ritmo de expansão do setor.
Instalar painéis solares exige mais do que subir no telhado — requer conhecimento técnico, cálculo de eficiência, segurança e manutenção.
Empresas relatam dificuldade em encontrar profissionais capacitados, especialmente nas regiões onde a energia solar cresce mais rápido.
Caminhos para o futuro
Para o Brasil não tropeçar na própria luz, especialistas apontam alguns caminhos urgentes:
- Investir em armazenamento de energia, com baterias e sistemas híbridos capazes de equilibrar a oferta solar nos horários sem sol;
- Modernizar a rede elétrica, reforçando linhas de transmissão e criando mecanismos inteligentes de controle e compensação;
- Capacitar profissionais, com programas técnicos e cursos rápidos voltados ao setor fotovoltaico;
- Melhorar o monitoramento climático, usando sensores, satélites e big data para prever a produção de energia com precisão;
- Aprimorar a regulação, garantindo que a geração distribuída contribua para a estabilidade, sem distorcer tarifas nem sobrecarregar o sistema.
Enquanto o sol segue brilhando sobre o Brasil, o país precisa decidir se quer apenas se aquecer nessa luz — ou aprender a canalizá-la com sabedoria.
A energia solar não é só uma tendência: é um espelho que revela o quanto nosso sistema elétrico ainda precisa evoluir para sustentar o futuro que já começou a nascer.http://jornalfactual.com.br