Desde os primeiros anos de vida, crianças são inseridas em ambientes que reforçam uma noção específica de autoridade: a ideia de que o governo, as instituições e as leis representam verdades absolutas. Esse processo não ocorre por acaso, tampouco é neutro. Trata-se de um modelo de formação comportamental que molda cidadãos para a obediência, e não para a autonomia.
Nas escolas, frases como “o governo sabe o que é melhor” ou “se está na lei, é porque é certo” são transmitidas como axiomas. Questionamentos são desencorajados, seja por meio de repreensão explícita, seja por respostas evasivas que indicam que certas discussões “não cabem às crianças”. O resultado é um condicionamento progressivo: a criança curiosa é rotulada como teimosa; o adulto que insiste em perguntar “por quê?” passa a ser visto como problemático; o cidadão crítico é frequentemente enquadrado como subversivo.
Essa lógica produz indivíduos que seguem normas sem compreender, respeitam regras sem refletir e aceitam limitações como se fossem parte natural e imutável da vida social. Trata-se de um mecanismo psicológico que privilegia o conformismo e limita o pensamento independente. Afinal, questionar exige coragem. Envolve reconhecer a possibilidade de que crenças arraigadas — muitas vezes transmitidas pela família, pela escola e pelo Estado — podem estar equivocadas. Esse movimento gera desconforto interno e confronta a segurança emocional oferecida pela obediência.
Grande parte da população, por esse motivo, prefere acreditar que “as autoridades sabem o que estão fazendo”. A responsabilidade de pensar por conta própria é substituída por uma confiança automática em estruturas formais, mesmo quando estas impõem regras que afetam diretamente a vida cotidiana.
Esse condicionamento comportamental se torna especialmente evidente quando o debate envolve o acesso a recursos naturais, como a água. Ao longo dos anos, políticas públicas e legislações ambientais foram apresentadas como elementos técnicos, complicados e inacessíveis ao cidadão comum. Essa estratégia reforça a dependência institucional e desestimula o questionamento.
Quando um órgão estatal afirma que um proprietário “não pode perfurar um poço porque é proibido”, a resposta social majoritária é simples: “Ok”. Raros são os que perguntam “por quê?”. Por que um indivíduo precisa solicitar permissão para acessar a água que já existe sob o seu próprio terreno? Por que esse direito natural — que acompanha a propriedade desde tempos históricos — se transformou em concessão controlada?
A resposta remete ao mesmo mecanismo de obediência: a ideia de que o cidadão não deve questionar o que vem de cima, pois presume-se que o governo sabe o que é melhor. E é exatamente essa mentalidade que sustenta estruturas de controle sobre recursos essenciais.
A formação da obediência não é uma falha do sistema educacional; é uma característica deliberada. Um cidadão crítico questiona políticas, avalia argumentos e exige justificativas — algo que, em muitos contextos, representa um desafio direto ao exercício centralizado do poder. Por outro lado, o cidadão obediente se conforma, internaliza a ideia de que normas são indiscutíveis e aceita limitações impostas sem que haja debate público real.
No caso da água, essa lógica ganha contornos ainda mais significativos. O controle sobre um recurso vital é também controle sobre comunidades, economias e dinâmicas territoriais. Restrições ao acesso autônomo à água subterrânea, quando não são amplamente discutidas ou justificadas, revelam mais sobre o modelo de gestão do que sobre a preservação ambiental em si.
Assim, compreender como se constrói o comportamento de obediência é fundamental para entender por que tantas decisões governamentais são aceitas sem contestação, mesmo quando afetam direitos básicos. A obediência cega não é fruto do acaso: é resultado de um processo contínuo e historicamente cultivado. E essa construção atende, sobretudo, aos interesses daqueles que controlam recursos estratégicos — entre eles, a água.






